Festival de Almada

Festival de Almada 1985

GRUPO DE CAMPOLIDE ORGANIZA FESTIVAL DE TEATRO Diário Popular, 18 de Julho

A segunda edição do Festival de Almada decorreu no Pátio Prior do Crato, “um pequeno quadrado rodeado de casas, íntimo e aconchegado, extremamente teatral, metido na zona de Almada Velha”, como escreveu Carlos Porto no Diário de Lisboa de 23 de Julho. Apenas uma das 19 sessões se realizou na Sociedade Recreativa da União Pragalense. Apesar da forte representação de companhias amadoras, e da maioria das produções serem de grupos do distrito de Setúbal, começa a haver um alargamento. O Festival conta, desta feita, com a presença de duas companhias de Évora e uma de Lisboa: respectivamente, o Grupo Cénico da Sociedade Operária Joaquim António de Aguiar, o CENDREV, e A Barraca. É de realçar a presença de uma companhia da capital, que, apesar de se afirmar como alternativa aos circuitos teatrais fechados, demonstra o interesse e o reconhecimento que começa a ser atribuído ao Festival de Almada. Na segunda edição, tanto o Teatro Nacional D. Maria II como o Teatro Experimental de Cascais já participam no Festival.


Fernanda Alves em O gebo e a sombra, de Raul Brandão, Teatro Nacional D. Maria II

Espectáculos

Por acaso era João, texto colectivo. Encenação de Jorge Silva. Projecto Vagabundo

Farsa dos físicos, de Gil Vicente. Encenação de Teresa Gafeira. Grupo de Teatro do Colégio Frei Luís de Sousa

Uma certa vanguarda, de Alexandre Castanheira. Encenação de Malaquias de Lemos. Grupo de Teatro da União Pragalense

Histórias para serem contadas, de Oswaldo Dragun. Encenação de José Martins. Grupo de Teatro da SFUAP

A sapateira prodigiosa, de Federico García Lorca. Encenação de João Bilou. Grupo da Sociedade Operária Joaquim António de Aguiar

Margarida do monte, de Marcelino Mesquita. Encenação de Bento Martins. Grupo de Teatro de Carnide

Na terra dos Procópios, de Maria Alberta Menéres. Encenação de Graciano Simões. Teatro Ensaio do Barreiro

George Dandin, de Molière. Encenação de Joaquim Benite e José Martins. Grupo de Teatro da Academia Almadense

Aurora da minha vida, de Naum Alves de Sousa. Encenação de Carlos Avilez. Teatro Experimental de Cascais

Réus e juízes, a partir de Gil Vicente e António José da Silva. Encenação de José Martins. CTA

Ai que saltos me dá o coração, a partir de Tchecov. Encenação de Blanco Gil. Teatro Ibérico

Tempos difíceis, de Romeu Correia. Encenação de Joaquim Benite. CTA

O tio Simplício, de Almeida Garrett. Encenação de João Manuel. Teatro Animação de Setúbal

Os amorosos, de Carlo Goldoni. Encenação de José Valentim Lemos. Centro Cultural de Évora

Fernão, Mentes?. Texto e encenação de Hélder Costa. A Barraca

Yerma, de Federico García Lorca. Encenação de Pompeu José. Hora Viva

A Mosqueta, de Ruzzante. Encenação de José Gil. Teatro das Portas

O fidalgo aprendiz, de D. Francisco Manuel de Mello. Encenação de Norberto Barroca. Seiva Trupe

O gebo e a sombra, de Raul Brandão. Encenação de Rogério Paulo. Teatro Nacional D. Maria II

Os bonecos de Santo Aleixo. Tradição Popular. Centro Cultural de Évora


VIV’Ó TEATRO!

Foi com esta expressão que o encenador Joaquim Benite terminou as suas considerações na apresentação da II Festa de Teatro de Almada.

O Diário, 27 de Junho 1985

Este ano, incorporada nos festejos almadenses dedicados ao patrono da cidade, a Companhia de Teatro de Almada, com a cobertura da Camara Municipal, teve uma ideia genial ao conseguir a adaptação do histórico Pátio do Prior do Crato – Almada Velha – a recinto teatral.

Está fora de dúvida que a dinamização, ou até a alteração de processos, consegue captar o interesse do público. Principalmente quando os preços dos espectáculos são baixos e ainda quando se conseguem emitir séries de bilhetes que dão acesso a todos os dias. Isso é um incentivo: o bilhete já está pago e há que não faltar; ou então, em caso de impedimento, empresta-se o «salvo-conduto» a quem por norma não vai ao teatro. Logo aqui começa a grande vitória.

Joga-se, portanto, uma grande cartada: levar o teatro às pessoas. O impacto teatro na rua em noites amenas faz regredir aos tempos em que a arte de Talma, era projectada desta forma… o antigo esta na moda!… E o público tem acorrido razoavelmente, com a profética sensação de visionar o que é bom do menos bom.

Quando estou a escrever estas notas ainda o festival vai em meio, e vejo-me impedido de ·poder exprimir uma apreciação global ao que só tem passado todas as noites no simpático local. Todavia, porque a ideia é flagrantemente positiva as consequências serão benéficas.

Nem tudo o que tem sido apresentado é de primeira água, mas isso é compreensível em virtude das disponibilidades dos grupos e dos respectivos custos. Além disso, fica-se com uma sensação de que o teatro amador não progrediu tanto como seria para desejar. Sou do tempo em que estas coisas eram levadas muito a sério e até em atitudes de libertação… Além de que só as boas vontades não chegam…

Um exemplo: Federico Garcia Lorca, um malogrado génio tão precocemente afastado do «nosso convívio», mas simultaneamente dos mais respeitáveis autores da língua de Cervantes, um clássico do amor e da paixão, um lutador contra os preconceitos de uma sociedade doentia, tem de ser respeitavelmente interpretado. E a veemência de Lorca tem de ser repercutida nos gestos, nas vozes, nas expressões, nas quadraturas cénicas. Sem isso, Garcia Lorca é um fantasma… e os verdadeiros artistas continuam vivos pela eternidade!

Temos também que levar em conta o progressismo cultural dos repertórios. Ate agora foram apresentadas algumas peças que, se em vez de irem ao Pátio do Prior, tivessem ido na R.T.P. cairia o Carmo e a Trindade… E os principais detractores serão os próprios que estão metidos nessas engrenagens. Portanto, alguns grupos terão de começar a ter os cuidados inerentes…

Fernão, Mentes? de Hélder Costa, A Barraca

Entretanto, tem subido ao tablado do Pátio excelentes agrupamentos, com trabalhos sérios e, inegavelmente, bem preparados. Esses têm sido um regalo para a vista e para os ouvidos. Não quero deixar de salientar o Centro Cultural de Évora que, depois de uma peça pouco satistatória, fez – com muita má colocação – os celebérrlcos «Bonecos de Santo Aleixo», uma ancestral paródia de origens religiosas e folclóricas destinado aos meios rurais, com a linguagem adequada para divertimento geral. Esta brincadeira, de muito difícil execução, deve ser preservada como uma relíquia de museu. Num futuro próximo, esses elementos deverão vir a Almada, a local apropriado, e com uma visibilidade geral, porque os almadenses ficaram sequiosos de assistir a uma repetição mais completa. Nesse dia não faltará publico tal a generalidade da opinião colectiva.

Parabéns, portanto, pela II Festa de Teatro. que no ano passado já tinha tido uma pequena experiência na rua dos Tanoeiros.
Fernando Barão, Jornal de Almada, 12 de Julho


Eunice Muñoz

personalidade homenageada
Eunice Muñoz

Eunice Muñoz é muito cedo reconhecida como um caso ímpar de talento no  teatro português contemporâneo. Tem participado destacadamente nas melhores companhias: Teatro Nacional, onde está hoje, Comediantes de Lisboa, Companhia Portuguesa de Comediantes, entre muitas outras. Mais de 40 anos de carreira! Uma brilhante vida ao serviço do teatro e do público. Sem nunca procurar caminhos de êxito fácil, mesmo quando acidentalmente (para ganhar a vida) teve que pisar palcos que, sem a envergonhar, a limitavam. Mas Eunice Muñoz não se tem ficado só pelo teatro: o cinema e a televisão têm sido honrados pela sua presença. A sua figura frágil como que se transfigura a dizer o poema, a dá-lo como o vaso comunicante que Eunice é.
Virgílio Martinho


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