Festival de Almada

Festival de Almada 1992

E lá estava ela, a Lua Carlos Porto, Jornal de Letras, 21 de Julho de 1992

Ulf – la pasión de Jacinto e Paloma, pelo El Galpón – Uruguai

Na sua IX edição, torna-se claro que o Festival de Almada é um dos catalisadores da regeneração urbana da cidade. Este foi o ano da recuperação de 14 quarteirões (cerca de 140 edifícios) na zona de Almada Velha. Nestas obras esteve também englobado o restauro do Palácio da Cerca, recentemente adquirido pela Câmara Municipal, que aposta na inclusão do teatro “no todo cultural, urbanístico e paisagístico”, segundo escreveu a então presidente da CMA, Maria Emília de Sousa, no programa do evento. Estas obras de restauro fizeram com que a distribuição dos espaços nos quais decorreram os espectáculos fosse reformulada. Assim, as sessões (27 no total) distribuíram-se pelo antigo TMA, pelo Casino da Trafaria e, pela primeira vez, pela Escola D. António da Costa. No respeitante à programação, teve maior relevo a produção teatral da América Latina, com companhias oriundas do Brasil, México, Peru e Uruguai. A edição de 1992 afirma-se como algo mais do que uma mostra de teatro, posicionando-se como um espaço para o encontro entre culturas e para a reflexão crítica, assim como um meio de criar e fidelizar os públicos de teatro, como escreveu Joaquim Benite no programa: “O nosso trabalho como grupo de descentralização implica o esforço de criação de um público para o teatro. Ora, para a formação de um público não basta a produção artística regular. É preciso mais. Um festival constitui um poderoso meio de divulgação do teatro. Por outro lado, trazer outras experiências, outros espectáculos ao nosso público é promover o confronto, a análise, a reflexão”.


Espectáculo de Honra

LAZARILLO DE TORMES – Rafael Alvarez – Producciones El Brujo

Espectáculos

Lazarillo de Tormes, de Fernando Fernán Gomez. Encenação de Rafael Alvarez e Juan Viadas. Producciones El  Brujo – Espanha

Batuque e Kola S. Jon. Grupo de Batuque Finka Pé

La mujer de la arena, de Kobo Abe. Encenação de Jaroslaw Bielski. Compañía de Teatro Nuovo – Espanha

Cuarteto para cuatro actores, de Boguslaw Schaeffer. Encenação de Jaroslaw Bielski. Compañía de Teatro Nuovo – Espanha

Intuiciones. Texto e encenação de Oscar Naters. Integro Grupo de Arte – Peru / México

Onde está a música?, de Costa Ferreira. Encenação de Rui Mendes. Teatro da Malaposta

Ulf – la pasión de Jacinto e Paloma, de Juan C. Gené. Encenação de Nelly Goitiño. El Galpón – Uruguai

Café Acustico. Texto e encenação de Ana Valles. Matarile – Espanha

Metalmorfosis 93, de José Manuel Heredia Sancho. Encenação de Carlos Gongora. Axioma Teatro – Espanha

Carta ao pai, de Kafka. Encenação de Ione de Medeiros. Companhia Absurda – Brasil

Seefarad e Paraíso roto de José Monleón e Mohamed Kaghat. Instituto Internacional de Teatro do Mediterrâneo – Espanha

Salomé, de Oscar Wilde. Encenação de Daniel Mesguich. Compagnie Salomé – França

As máscaras. Texto e encenação de Dácio Lima. Teatro do Gesto – Brasil

Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente. Encenação de Maria do Céu Guerra. A Barraca

Cabaret do prazer e da memória, de vários autores. Encenação de Armando Caldas. Intervalo – Grupo de Teatro

Play it again, Sam, de Woody Allen. Encenação de Hélder Costa. A Barraca

Feira vicentina, a partir de Gil Vicente. Encenação de João Mota. A Comuna

A vida do grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança, de António José da Silva. Encenação de Joaquim Benite. Companhia de Teatro de Almada

La musica II, de Marguerite Duras. Encenação de Marie-Pierre Fernandes. Companhia de Teatro de Almada

Conhece a Via Láctea?, de Karl Wittlinger. Encenação de Júlio Cardoso. Seiva Trupe

Yerma, de Federico García Lorca. Encenação de Yolanda Alves. Teatro de Papel

Nápoles milionária, de Eduardo de Filippo. Encenação de Mário Viegas. Companhia Teatral do Chiado


UMA NOITE DE BACANTES

Se um festival de teatro pudesse ser apreciado só pela abertura, o de Almada seria feminino, negro e, em última análise, orgíaco. Tudo isso moderadamente. Um batuque cabo-verdiano e uma “obra meúda” vicentina (O pranto de Maria Parda) fizeram desta primeira noite de festa um desafio aos limites do teatro ou, vendo as coisas de outra maneira, fizeram-no recuar até muito perto das suas fontes iniciais. Pode com propriedade dizer-se que as mulheres se encontraram em duas funções nocturnas. Encontros de Bacantes.
Manuel João Gomes, Público, 6 de Julho de 1992

Momentos antes do início do espectáculo, com a bancada do Palco Grande a transbordar, as luzes foram apagadas. Então, uma luz ténue, azulada, cobriu tudo. Olhei para trás à procura do projector capaz daquele milagre – e lá estava ela, a lua, quase cheia, pregada no céu como se fosse um foco a iluminar o mundo, o teatro do mundo. Foi uma das coisas mais bonitas deste lindíssimo festival. Na noite seguinte, no campo de jogos da Escola D. António da Costa, decorria o espectáculo, mais ou menos estapafúrdio, do grupo Axioma, de Espanha. Ouve-se a voz pernóstica do narrador: “Lá está a lua, essa puta sonâmbula, perfeitamente circular”. E à esquerda, lá estava ela, quase perfeitamente circular, a lua.
Carlos Porto, Jornal de Letras, 21 de Julho de 1992.


Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica

António Reis

A escolha do FITEI para a homenagem já tradicional da Festa de Almada baseou-se num critério de qualidade, de reconhecimento e exaltação de quem tem dado ao teatro tudo o que o conhecimento, a capacidade de escolha e o esforço de organizar um acontecimento tão complexo como é um festival pode dar. A IX Festa do Teatro de Almada abraça calorosamente o FITEI, da cidade do Porto. Dois festivais que, embora com uma programação diferente, contêm afinal o mesmo objectivo: mostrar uma gama de linguagens e de propostas estéticas de modo a que o destinatário, o público, as julgue e escolha, para que o papel do teatro na nossa sociedade tenha o necessário desenvolvimento. Em Júlio Cardoso e António Reis [na foto], anterior e actual directores do FITEI, homenageamos todos quantos, ao longo destes anos, têm mantido essa grande manifestação cultural da cidade do Porto.

Virgílio Martinho


Batuque e Kola S. Jon
mostrar mais
Back to top button