Festival de Almada 1994
Teatro vence o futebol Carlos Porto em Jornal de Letras, Artes e Ideias, 20 Julho de 1994
O XI Festival de Almada regeu-se, segundo Joaquim Benite, por três critérios: qualidade, modernidade e tolerância, querendo este último significar que o Festival não se assume como de uma ou de outra corrente estética, mas antes como “um esforço que pugna pela troca de experiências, pela diversidade e pelo combate a qualquer tipo de sectarismo”, como afirmou em entrevista ao Jornal de Letras de 6 de Junho. De facto, verificou se uma abertura a novos grupos estrangeiros (vindos do Brasil, Espanha, França, Itália, Moçambique e, pela primeira vez, da Tunísia, República Checa e Argentina) e a várias tendências estéticas. A XI edição destaca-se pela utilização de espaços maioritariamente ao ar livre. Apesar do alargamento a outras freguesias da Margem Sul, o Festival começa a afirmar-se como um acontecimento cultural que transcende os limites geográficos desta zona, alargando-se ao público lisboeta, como escreve A Capital a 25 de Junho: “O nome de Almada aparece já hoje associado a Barcelona, Stiges, Avignon, Edimburgo, entre outras cidades que o teatro tornou obrigatórias no roteiro dos que se interessam por esta manifestação artística em todo o mundo”.
Espectáculo de Honra
Espectáculos
Il y a des hommes, a partir de Victor Hugo. Encenação de Robert Bensimon. Théâtre de l’Impossible – França
Pervertimento, de José Sanchis Sinisterra. Encenação de Mario Vedoya. Teatro de la Huella – Argentina
Justine, do Marquês de Sade. Encenação de Peter Scherhaufer. Divadlo Husa na Provazku – República Checa
O oitavo dia. Texto e encenação de Gilberto Mendes. Teatro Gungu – Moçambique
Viaggio organizzato, solo andata (prima classe). Teatro dei Manicomics – Itália
Convoi d’anges heureux. Théâtre de la Fronde – França
La sombra del Tenorio, de José Luis Alonso de Santos. Encenação de Rafael Alvarez. Pentación – Espanha
El despertar y la mujer sola, de Dario Fo e Franca Rame. Encenação de Arturo Castro. Teatro Margen – Espanha
Una disperata vitalità, de Pier Paolo Pasolini. Recital de Laura Betti – Itália
Papel de lija, de Javier Maqua. Encenação de Arturo Castro. Teatro Margen – Espanha
Familia. Texto e encenação de Fadhel Jaïbi. El Teatro – Tunísia
Vau de sarapalha, de João Guimarães Rosa. Encenação de Luís Carlos Vasconcelos. Grupo de Teatro Piollin
– Brasil
Cadavre Exquis. Criação colectiva. O Grupo
A cantora careca, de Ionesco. Encenação de Hélder Costa. A Barraca
Miséria. Texto e encenação de João Paulo Seara Cardoso. Teatro de Marionetas do Porto
Os construtores. Criação colectiva. Grupo Zéphyro
O barbeiro de Sevilha, de Beaumarchais. Encenação de Luís Varela. Centro Dramático de Évora
O cabaret do Conde Marquês, de vários autores. Encenação de Armando Caldas. Intervalo – Grupo de Teatro
A escola de mulheres, de Molière. Encenação de José Peixoto. Teatro da Malaposta
Greensleeves, de Joyce Carol Oates. Encenação de Jorge Silva Melo. Teatro da Malaposta
Malaquias, ou a história de um homem barbaramente agredido, de Manuel de Lima. Encenação de José Carretas. Teatro da Vereda
Ñaque, de José Sanchis Sinisterra. Criação colectiva. Teatro Meridional
Guerras do Alecrim e Manjerona, de António José da Silva. Encenação de João Mota. Comuna – Teatro de Pesquisa
O valente soldado Schweik, de Jaroslav Hasek. Encenação de Jorge Listopad. Companhia de Teatro de Almada
Bastien e Bastienne, de Mozart. Encenação de Joaquim Benite. Companhia de Teatro de Almada
Podia ser esta a dúvida essencial da edição deste ano da festa de Almada: sendo neste festival a presença do público factor preponderante para o seu êxito, como resistiria esse público à atracção das transmissões pela RTP dos desafios do Campeonato Mundial de Futebol? O palco grande da festa tem enchido todas as noites, e os outros palcos têm recebido público de acordo com os projectos propostos. Essa é a primeira grande lição da Festa de Almada, confirmando o que nela é fundamental: as amplas e profundas relações que soube criar com a cidade. O êxito, cada vez maior, deste festival deve-se a factores como o do enriquecimento qualitativo dos espectáculos, em especial espectáculos estrangeiros, uma boa organização de teor diversificado; um eficaz esquema festivaleiro que junta a música e as conversas soltas ou programadas e espectáculos de rua; e ainda o factor mais importante, o facto de se tratar de um festival maioritariamente ao ar livre.
Carlos Porto em Jornal de Letras, Artes e Ideias, 20 Julho de 1994
Carlos Porto
personalidade homenageada
É difícil acusar Carlos Porto de se esquivar à responsabilidade da sua palavra escrita, favorável ou desfavorável ao trabalho criticado; de rejeitar propostas teatrais que entendeu como valores estéticos e lúdicos dentro dos parâmetros da modernidade; de ignorar ou confundir a luta do teatro pela sua liberdade e continuidade. No entanto, o terreno teatral é movediço e a função do crítico de teatro, afinal de toda a crítica, melindrosa. Talvez por isso Carlos Porto nos diga em 1973: “São muitos os fantasmas que se infiltram descarada ou veladamente no nosso exercício crítico; fantasmas pacíficos ou terríficos ou patéticos; fantasmas que astuciosamente mudam a cor da tinta com que escrevemos ou passam uma mão macia pelos sobressaltos da nossa ira”. Palavras de ontem, talvez ainda válidas hoje, que ser crítico é ser alvo fácil de muitas vaidades feridas e não de poucos orgulhos postos a nu.
Virgílio Martinho