Festival de Almada 2008
ALMADA A CENTRALIDADE DA PERIFERIA
Tiago Bartolomeu Costa, Obscena, Julho de 2008
A edição de 2008 do Festival de Almada contou com 61 sessões, que decorreram em Almada (Escola D. António da Costa, Fórum Romeu Correia e TMA) e Lisboa (TNDM II, Teatro São Luiz, Teatro do Bairro Alto, Maria Matos Teatro Municipal, Instituto Franco-Português, Casa da América Latina e Culturgest). Neste ano, o orçamento permitiu acolher sete criações nacionais em estreia absoluta, e ainda a criação do Prémio Internacional de Jornalismo Festival de Almada, mais tarde denominado Carlos Porto, no valor de 5 mil euros e destinado ao melhor texto jornalístico, nacional ou estrangeiro, publicado sobre o Festival. Esta XXV edição fica marcada por uma aposta nas novas dramaturgias. O Festival acolheu dramatizações dos textos que ganharam o concurso, promovido pelos Artistas Unidos, intitulado Isto não é um concurso e destinado a procurar novos talentos e linguagens. Assim, subiram à cena os textos de três novos autores: Luís Mestre (Numa certa noite), Ana Mendes (O lago) e Inês Leitão (A última história de Werther). A par destes autores emergentes, foram levados à cena espectáculos de grande vulto, como Peer Gynt, de Ibsen, encenado por Peter Zadek; Hippolyte, de Robert Garnier, encenação de Robert Cantarella; ou Le Cid, de Corneille, encenação de Alain Ollivier.
Espectáculo de Honra
O Festival de Almada não se parece com nenhum festival. É único. E um “milagre”. Ninguém organiza festivais com tão pouco financiamento, com critérios de tanta e tão diversa ordem que escapam completamente aos critérios de “mercado” ou mesmo aos chamados critérios de “qualidade”, esperando tanto de solidariedades e parcerias, confiando tanto na generosidade de quem para ele trabalha e que sempre acaba por transformar as mil dificuldades e as inesperadas e improvisadas situações que pelo caminho vão surgindo em festa de alegria. E todos os anos felizmente existe antes das férias de Verão, no fim das temporadas. Para nosso bem. Muitos bons espectáculos nos tem mostrado. E outros menos bons, não importa. De gente importante e de gente sem fama, não importa. Muita vida tem criado. É o único momento em que o teatro português se encontra e sente que, com a chegada de outras companhias, está a receber amigos que o visitam mais do que a importar as novidades do estrangeiro. É o momento por excelência do teatro em Portugal. O Festival de Almada é o que se passa ao ar livre, no pátio da Escola ou na esplanada-cantina, no belo Teatro Municipal, o melhor de todos os novos teatros, nos outros auditórios de Almada, na Casa da Cerca, mas também o que se espalha por Lisboa, por outros teatros que Almada puxa a si, e que se sentem honrados por estarem com o outro lado do rio. E Almada não é cidade de turismo, não tem castelos nem catedrais. Fica em frente de Lisboa. É verdade, tem a mais bela vista sobre a Capital. Mas tem ruas banais. Foi cidade de fábricas e operários, de estaleiros, de gente politizada. E aprendeu a ser cidade, mais cidade que Lisboa. Recusa-se a ser dormitório. É uma cidade com vida, vida de gente que trabalha. O segredo do Festival de Almada é uma teimosia milagrosa de quem fez do teatro a sua vida, é ser organizado por quem faz teatro, é o Joaquim Benite e a gente que ele consegue mobilizar com a sua teimosia, e é o entusiasmo de uma população que torna em festa para todos a festa de teatro que a sua cidade organiza. Uma força que é orgulho de viver tanto como é amor à Arte e que por quinze dias vence a lógica cinzenta dos nossos dias. E isto não é milagre?
Luis Miguel Cintra, MaisTMA, Julho de 2008.
Espectáculos
Dentro de mim outra ilha. Coreografia de Panaibra Gabriel. CulturArte – Moçambique
Hóspedes indesejados. Encenação de João Mota. Comuna – Teatro de Pesquisa
Quarto interior. Encenação de André Braga e Cláudia Figueiredo. Circolando
Gulliver, de Jonathan Swift. Encenação de Jaime Lorca. Compañia Jaime Lorca – Chile
En la lengua floja, de Grassa Toro. Encenação de Blanca Resano. PAI – Espanha
On the road, de Carlos J. Pessoa. Encenação de Ana Palma. Teatro da Garagem
La busta. Texto e encenação de Spiro Scimone e Francesco Sframeli. Compagnia Scimone Sframelli
Hippolyte, de Robert Garnier. Encenação de Robert Cantarella. Théâtre Dijon-Bourgogne – França
Peer Gynt, de Ibsen. Encenação de Peter Zadek. Berliner Ensemble – Alemanha
Un conte mineur, de John Dennis. Encenação de Sophie Han e Laurine Schott. Compagnie Le Chat Foin – França
Canções de Brecht, de vários compositores. Com Jeff Cohen, Luís Madureira e Teresa Gafeira. Companhia de Teatro de Almada
A força do hábito, de Thomas Bernhard. Encenação de Mónica Calle. Casa Conveniente
O dia em que Nina Simone deixou de cantar, de Darina Al Jordi. Encenação de Alain Timar. Théâtre des Halles – França
La casa vieja, de Abelardo Esturino. Encenação de Julio César Ramirez. Teatro d’Os – Cuba
Le Cid, de Corneille. Encenação de Alain Ollivier. Compagnie Alain Ollivier – França
Stabat Mater, de Antonio Tarantino. Encenação de Jorge Silva Melo. Artistas Unidos
Luís Madureira canta Barbara. Com Luís Madureira e Jeff Cohen
Feminine, de Paulo Ribeiro. Companhia Paulo Ribeiro
Gengis entre os pigmeus, de Gregory Motton. Encenação de Pedro Marques. Fora de Cena
Misterio del Cristo de los Gascones (tradição oral). Encenação de Ana Zamora. Nao d’Amores – Espanha
A festa, de Tiago Rodrigues, Nelson Guerreiro e Filipe Homem Fonseca. Criação colectiva. Mundo Perfeito
Numa certa noite, de Luís Mestre. Encenação de António Simão. Artistas Unidos
O lago, de Ana Mendes. Encenação de João Rodrigues. Artistas Unidos
A última história de Werther, de Inês Leitão. Encenação de João Meireles. Artistas Unidos
João Vieira
personalidade homenageada
Da obra de João Vieira como artista plástico muitos já falaram e continuarão a falar, com a competência que a mim naturalmente falta. Todos reconhecem que é um dos nomes cimeiros das artes plásticas. Mas é, também, um dos grandes nomes do teatro português, em que interveio como cenógrafo, como figurinista e como encenador. Se me permitem o atrevimento gostaria de dizer que, para mim, a personalidade de João Vieira é visível, de resto, em toda a sua actividade criativa: um longo discurso sobre o corpo e o espaço – referentes insubstituíveis da prática teatral.
Joaquim Benite
Prémio Internacional de Jornalismo
Em 2008, para comemorar a 25.ª edição do Festival, a Câmara Municipal de Almada institui o Prémio Internacional de Jornalismo Festival de Almada, destinado a galardoar o autor do melhor texto publicado na imprensa portuguesa ou estrangeira, tendo por objecto o Festival. A partir de 2009, o galardão passou a designar-se Prémio Internacional de Jornalismo Carlos Porto, em homenagem ao célebre crítico de teatro português falecido no ano anterior. O vencedor da primeira edição foi o crítico de teatro Manuel Sesma Sanz, da revista de teatro espanhola Primer Acto.