Apoiado na fidelidade de um público numeroso, o XXI Festival de Almada soube “capitalizar a sua diversidade, ao variar os conteúdos”, como escreveu João Carneiro no Expresso de 24 de Julho. O público tinha vindo a crescer em cerca de 30% por ano, o número de assinaturas subiu (em 2004 venderam-se 800) e a faixa etária era progressivamente mais jovem, segundo a Magazine Artes de Julho desse ano.
Para além disso, o Festival afirma-se ainda como plataforma de projecção para companhias menos conhecidas. Com efeito, foi realizado um ciclo dedicado ao teatro italiano, no âmbito do qual subiram à cena espectáculos como Natureza morta numa vala, Dois irmãos (Fausto Paravidino) e Fábrica (Ascanio Celestini), havendo ainda lugar para leituras encenadas de textos de Davide Enia, Fausto Paravidino e Antonio Tarantino, pelos Artistas Unidos.
Espectáculo de Honra
Passo Julho entre Almada e Lisboa, Teatros, transpirações, cacilheiros, esplanada da Bénard de manhã enquanto há sombra, Jon Fosse, os aeroportos, os hotéis, são os amigos estrangeiros que chegam, o ano passado Antonio Onetti e Ruan Mayorga, este ano os italianos, o brilhante Fausto Paravidino, o genial Antonio Tarantino, o Tiziano Fratus, poeta, que ficou cá em casa para pouparmos uns tostões mais o Almeida Faria que apresento e de cuja arte falo, e mais o Jaime Rocha que aparece, a Maria Laita (que passei a intitular “La Mamma del Festival”), dias longos, trabalhosos, há sorrisos e risos, nervos e gritos, estreias, beijos, despedidas, reencontros, é o Festival de Almada e eu gosto.
Jorge Silva Melo, Magazine Artes, Setembro de 2004.
Espectáculos
Ni sombra de lo que fuimos, de Eusebio Calonge. Encenação de Paco de La Zaranda. La Zaranda – Espanha
Natura morta in un fosso, de Fausto Paravidino. Encenação de Serena Sinigaglia. Teatro Juvarra di Torino – Itália
La brisa de la vida, de David Hare. Encenação de Lluis Pasqual. Nacho Artime – Espanha
Hand made. Encenação e produção de Carlos Martínez – Espanha
Tangos e tragédias. Texto e encenação de Nico Nicolaewski e Hique Gomez. Caravana Produções – Brasil
Fabbrica. Texto, encenação e produção de Ascanio Celestini – Itália
Emmanuel Kant, de Thomas Bernhard. Encenação de Roger Planchon. Théâtre National Populaire / Studio 24 – França
Heldenplatz, de Thomas Bernhard. Encenação de Juraj Nvota. Divadlo na Zabradli – República Checa
El retablo de las maravillas, de Miguel de Cervantes. Encenação de Albert Boadella. Els Joglars – Espanha
Clássicos americanos. Luís Madureira
Cuentos para un invierno largo. Texto e encenação de Fernando Rubio. Intimo Teatro Itinerante – Argentina
Gente feliz com lágrimas, de João de Melo. Encenação de João Brites. O Bando
O jogador, de Fiodor Dostoievski. Encenação de Vladislav Pazzi. Companhia de Teatro de Almada
De olhos fechados, de Raquel Palermo e João Matos. Encenação de Rui Sérgio. Teatro da Trindade
A família Schroffenstein, de Heinrich von Kleist. Encenação de Luis Miguel Cintra. Teatro da Cornucópia
Endgame, de Samuel Beckett. Encenação de Bruno Bravo. Teatro Meridional
Vou lá visitar pastores, de Ruy Duarte de Carvalho. Encenação de Manuel Wiborg. Actores Produtores Associados
Dois irmãos, de Fausto Paravidino. Encenação de Jorge Silva Melo. Artistas Unidos
Medo/Triângulo, de Miguel Moreira. Encenação de Miguel Moreira. Útero
Cara de fogo, de Marius von Mayenburg. Encenação de João Mota. Comuna
Zoocratas, de Filipe Pires. Encenação de Jorge Loureiro. Conservatório de Música do Porto
Rita, de Donizetti. Encenação de Norma Graça Silvestre. ESMAE
Orquestra feminina andaluz de Tetuã. Marrocos
Os olhos de Gulay Cabbar. Coreografia de Olga Roriz. Companhia Olga Roriz
Dalila Rocha
personalidade homenageada
A homenagem a Dalila Rocha, no ano em que se comemoram os 20 anos do Festival, tem um significado especial. Escolhemo-la como exemplo de um talento artístico unanimemente reconhecido, mas também como exemplo da paixão desinteressada pelo teatro que marcou toda a sua vida. Homenageamos, com o maior orgulho, Dalila Rocha, porque nos valores que determinaram a sua carreira e a sua acção — os valores da ética, do amor à cultura, da participação cívica responsável — encontramos o alento para, festejando estes 20 anos que o Festival já leva, nos prepararmos para os anos que se sucederão, na luta pela continuação de um projecto difícil — mas apaixonante.
Joaquim Benite
in Público, 27 de Julho de 2004