Festival de Almada

Festival de Almada 2003

Festival de Teatro de Almada: humano e quente
Antonio Simón, revista Tempos, Agosto de 2003

A XX edição do Festival de Almada decorreu na Escola D. António da Costa, no antigo TMA, na Incrível Almadense e no Fórum Romeu Correia. Em Lisboa, co-apresentaram-se mais uma vez espectáculos com o Teatro da Trindade e o CCB e, pela primeira vez, com o Maria Matos Teatro Municipal. O destaque da programação vai para a presença do encenador Jacques Nichet, com o Théâtre National de Toulouse, e para Benno Besson, que dirigiu duas produções apresentadas no CCB: O círculo de giz caucasiano, de Brecht, e O amor das três laranjas, de Carlo Gozzi. Estrearam-se ainda três produções portuguesas e uma estrangeira: Rachel, de Yan Allegret; Cachorros de negro mirar, pelo Útero; São Nicolau, pelo Teatro dos Aloés e Selvagens, pela Art.com. Apesar da exiguidade do orçamento, as Assinaturas mantiveram-se a um preço simbólico, o que vai ao encontro da vontade de mostrar um teatro de elevada qualidade a todos quantos o queiram ver, seguindo uma lógica de fidelização, consolidação e multiplicação de público. Mantém-se um critério de diversidade, que pretende abarcar todos os universos estéticos — desde o teatro de rua, ao teatro-dança, passando pelo clássico e o experimental, avocando sempre uma postura pedagógica de abertura e reflexão.


Espectáculo de Honra

SHYLOCK – Manel Barceló – Vania Producciones

Espectáculos

Les aveugles, de Maurice Maeterlinck. Encenação de Denis Marleau. Ubu – Canadá

Six personnages en quête d’auteur, de Luigi Pirandello. Encenação de Emmanuel Demarcy-Mota. Théâtre des Millefontaines – França

Shylock, de Gareth Armstong. Encenação de Luca Valentino. Vania Producciones – Espanha

A festa, de Spiro Scimone. Encenação de Gianfelice Imperato. Compagnia Scimone / Sframelli – Itália

Rachel, de Yan Allegret. Encenação de Yan Allegret. (&) So Weiter – França

Combat de nègre et de chiens, de Bernard-Marie Koltès. Encenação de Jacques Nichet. Théâtre National de Toulouse – França

Tout est calme, de Thomas Bernhard. Tg STAN – Bélgica

La calle del infierno, de Antonio Onetti. Encenação de Pepe Gamboa. Valiente Plan – Espanha

Romances Gitanes, de Peter Serge Batko. Serge’s Studio – República Checa

Tangos e tragédias, de Nico Nicolaewski e Hique Gomez. Caravana Produções – Brasil

Silicone não, de Jacinto Lucas Pires. Coreografia de Paulo Ribeiro. Companhia Paulo Ribeiro

A última bobina, de Samuel Beckett. Encenação de Fernando Mora Ramos. Teatro da Rainha

Burlesco, de vários autores. Encenação de Fernando Mora Ramos. Teatro da Rainha

A vida na aldeia. Encenação de Pedro Vieira Dias Tomáz. Muenhu um Sanzala – Angola

Bão preto. Texto e encenação de João Mota. A Comuna

William Pig, o porco que leu Shakespeare, de Christinne Blondel. Encenação de Castro Guedes. Teatro do Noroeste

Alma grande, de Miguel Torga. Encenação de João Brites. O Bando

L’amore delle tre melarance, de Carlo Gozzi / Eduardo Sanguinetti . Encenação de Benno Besson. Teatro Stabile del Veneto – Itália

Il cerchio di gesso del Caucaso, de Bertolt Brecht. Encenação de Benno Besson. Teatro Stabile del Veneto – Itália

Femme fatale en ses mémoires, de Augusto Sobral. Encenação de Jean-Louis Sol. Compagnie de l’Écharpe Blanche – França

Quem buscar feitiço não se arrependa depois. Texto e encenação de Beto Carona. Uiji-Uija – Angola

Selvagens, de Christopher Hampton. Encenação de Graça Correa. Art.com

Uma comédia na estação, de Samuel Beckett. Encenação de Rui Madeira. Companhia de Teatro de Braga

Um para o caminho, de Harold Pinter. Encenação de Pedro Marques. Artistas Unidos

São Nicolau, de Conor McPherson. Encenação de Jorge Silva e Pedro Marques. Teatro dos Aloés

Cachorros de negro mirar, de Paloma Pedrero. Encenação de Carlos António. Útero

Leituras encenadas de peças de Antonio Onetti. Artistas Unidos

Chansons de femmes, de vários autores. Luís Madureira


FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA: HUMANO E QUENTE

Público, 11 de Julho de 2003

Almada tem um Festival potente, atractivo, bem estruturado, com objectivos definidos e boa direcção para os levar a cabo. Encontra-se entre os melhores festivais europeus. Mas, se quisermos qualificá-lo, teremos de chamar-lhe “humano”. Humano pelo trato amável, sincero e hospitaleiro que dá a toda a gente. Humano pela homenagem que presta todos os anos a uma personalidade relacionada com o mundo do teatro, que pode ser uma actriz, um crítico ou um espectador assíduo, e que este ano recaiu num grandíssimo actor cómico, como é o internacional Raul Solnado.
Humano porque o público vota espontaneamente para eleger o melhor espectáculo de cada edição. Humano porque os colóquios com os criadores estão cheios de gente interessada, disposta ao encontro de culturas. Humano porque dá gosto comprovar que todos os espectáculos atraem público, que abarrota os espaços. Humano pelo encontro propiciado, depois dos espectáculos da noite, entre a companhia que acaba de apresentar-se e os espectadores, em redor de uns pastéis e de um jarro de sangria. Humano pelo esforço que fazem todos os membros da Companhia de Teatro de Almada. Diante de eventos desta magnitude, como profissional e como espectador, não tenho outro remédio que não seja agradecer aos responsáveis, nomeadamente à presidente da Câmara Municipal, Maria Emília de Sousa, pelo seu firme apoio a Joaquim Benite, pela sua vitalidade e juventude ao leme desse transatlântico movido a pedais, humano e ecológico. Eu quero um igual para a Galiza.
Antonio Simón, Tempos (Espanha), Agosto de 2003


Raul Solnado

personalidade homenageada
Raul Solnado

Meu caro Raul,
Uma vez fui contigo, de carro, ao Alentejo. As imagens que guardo dessa viagem, como fotogramas, são as primeiras que surgem quando penso em ti. Estava calor. Quando parávamos em qualquer lado, para tomar café, ou um refresco, era sempre o mesmo: as ruas desertas, dois ou três velhos sentados em frente de uma porta, o Alentejo do meio da tarde, como ainda hoje o Alentejo é. Apenas cinco minutos depois de sairmos do carro, surpreendentemente, pelo menos para mim, uma multidão, vinda não se sabe donde, postava-se à porta do café, enchia o passeio, esperava que saísses para abraçar-te, tocar-te, repetir até à exaustão: “Podió chamá-lo?”. E não era por causa da televisão. Era o Parque Mayer, era o Villaret, que recebiam público de todo o País, mas era, sobretudo, a Rádio. Que prazer tenho em poder, hoje, homenagear em ti todos os actores que nos fizeram rir sem abdicarem da inteligência, da subtileza — da poesia.
Joaquim Benite


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