Festival de Almada 1996
A magia dos palcos é para todos Eugénia Vasques, Expresso, 19 de Julho de 1996
Na XIII edição do Festival, o número de sessões fixou-se nas 36, animando os palcos da Escola D. António da Costa, da Casa da Cerca, do antigo TMA, e ainda o do Pavilhão Nimbus, em Cacilhas. Não se podendo queixar de uma crise de público, no que toca às subvenções os contornos são outros. Porém, o Festival conta com a solidariedade das companhias que passam pelos seus palcos, que muitas vezes reduzem os cachets ou cedem materiais (por exemplo, o TNDM II emprestou projectores para a realização de alguns espectáculos). Em relação à falta de espaços devidamente equipados, no Correio da Manhã de 24 de Junho Joaquim Benite caracteriza Almada como “uma flor no pântano”. Nessa entrevista, Benite relembra que os festivais internacionais de teatro se realizam habitualmente em cidades históricas, com um passado cultural, contrastando com Almada, que não deixa de ser uma cidade de subúrbio, com poucas condições para apresentar condignamente as companhias que participam no Festival. Na edição de 1996, uma das mais internacionais de sempre, contando com a participação de 15 companhias estrangeiras, destaca-se a presença de Luigi Lunari e da Opera Circus. O Festival de Almada passa a constituir igualmente uma excelente plataforma de projecção para grupos nacionais e internacionais menos conhecidos, chamando a si um grande fluxo de representantes da imprensa internacional, como o The Times, o El País, ou a revista espanhola Primer Acto.
Espectáculo de Honra
Espectáculos
Rhinocéros, de Ionesco. Encenação de Jean-Marie Sirgue. Théâtre de la Fronde – França
Se eu sou assim, de Angel Cerdanya. Encenação de Angela Martinez. El Sueco – Espanha
O nariz, de Franco Giorgio. Encenação de Gianno Salvo. Centro Teatro Studi – Itália
Lady Aoi. Texto e encenação de Myoko Kataoka. Teater Mu – Dinamarca
Medeia, de Heiner Müller. Encenação de Theodoros Terzopoulos. Attis Theatre – Grécia
O aumento, de Georges Pérec. Encenação de Sergi Belbel. La Jácara – Espanha
O outro, de Miguel Unamuno. Encenação de Jaroslaw Bielski. Compañía de Teatro Nuovo – Espanha
A lição, de Ionesco. Encenação de Marcia Haufrecht. Common Basis Theatre – EUA
Simplesmente não. Encenação de Carlos Gongora. Axioma Teatro – Espanha
À noite somos todos primos. Texto e encenação de Gilberto Mendes. Teatro Gungu – Moçambique
Shameless!, de David Glass e Paul Sand. Opera Circus – Grã-Bretanha
Viaje al cientro de la Tierra, a partir de Júlio Verne. Criação colectiva. La Troppa – Chile
Aeroplanos, de Carlos Gorostiza. Encenação de Ruben Yañez. Teatro Circular – Uruguai
Hora de visita. Texto e encenação de José Luis Alonso de Santos. Pentación – Espanha
Sermão de Quarta-Feira de Cinzas, do Padre António Vieira. Encenação de Moacir Chaves. Produção de Pedro Paulo Rangel
Três num baloiço, de Luigi Lunari. Encenação de José Peixoto. Teatro da Malaposta
Salazar, Deus, Pátria, Família, de Maria do Céu Ricardo. Encenação de Miguel Abreu. Cassefaz
Tristerra, de Miguel Torga. Encenação de José Caldas. Teatro Bruto
Fábrica Sensível, de Carlos Porto. Encenação de Jorge Listopad. Teatro Nacional D. Maria II
Parabéns a você. Texto e encenação de Hélder Costa. A Barraca
Razões e corações, a partir de Gil Vicente. Encenação de Vítor Gonçalves. Companhia de Teatro de Almada
Prometeu – rascunhos. Texto e encenação de Jorge Silva Melo. Artistas Unidos
Romeu, de Julio Salvatierra. Criação colectiva. Teatro Meridional
Os piratas. Texto e encenação de Carlos J. Pessoa. Teatro da Garagem
A noite de Molly Bloom, de Sanchis Sinisterra, a partir de Joyce. Encenação de Alvaro Lavín e Miguel Seabra. Teatro Meridional
Dor, de J. Meirelles. Teatro da Cornucópia
Isto é que é a República?, de vários autores. Encenação de Armando Caldas. Intervalo – Grupo de Teatro
O poder do dinheiro, de vários autores. Encenação de Graziella Galvani. Teatro Nacional D. Maria II
A morte, de Woody Allen. Teatro de Papel
IP5, de Regina Guimarães. Encenação de João Paulo Seara Cardoso. Teatro de Marionetas do Porto
A travessia, de Érico Veríssimo. Encenação de João Mota. A Comuna
Poesia ibérica do século XX. Eunice Muñoz e Nuria Espert
É tempo da Câmara Municipal de Almada e outras instituições públicas, como a SEC, se empenharem em investimentos de monta e na muito aguardada construção de novos espaços. É que não estamos só perante um acontecimento cultural que atrai e “forma público”, como perante um festival em cujo ”cadastro” se inscrevem valentes esforços em prol da divulgação do teatro português além-fronteiras, o que o esforço de coprodução com o estrangeiro e a presença de importantes orgãos de comunicação social europeus e latino-americanos provou à saciedade. Almada deu um novo passo para se aproximar à nossa dimensão, do sonho criado por Avignon. Assim as instituições responsáveis o compreendam, como o fazem as gerações que crescem e envelhecem à sombra deste simpático e fraterno evento estival.
Eugénia Vasques, Expresso, Julho de 1996
POEMAS A DUAS VOZES
Não é todos os dias que dois “monstros” do teatro se encontram no mesmo palco. No Festival de Almada o público presenciará um desses momentos mágicos. Lado a lado, Eunice Muñoz e Núria Espert, consideradas as melhores actrizes de Portugal e Espanha, dizem poemas de autores ibéricos: Herberto Hélder e García Lorca, tendo como tecto as estrelas e a lua de Julho. Como se pode perder tamanho assombro?
Diário de Notícias, 11 de Julho de 1996
José Monleón
personalidade homenageada
José Monleón é o exemplo do intelectual espanhol de feição humanista, que luta por uma concepção universalista da cultura, no respeito das diferenças e na acentuação dos laços comuns. O seu Instituto Internacional de Teatro do Mediterrâneo, cuja colaboração com o Festival de Almada se mantém há anos, é um organismo multinacional que visa isso mesmo: uma aproximação cultural dos povos que estiveram unidos por uma cultura com traços comuns e que as vicissitudes da história, as religiões, os conflitos políticos e militares, separaram. Monleón foi, nos seus tempos de crítico de teatro, um divulgador do teatro português em Espanha. Calcula-se o que isso representa se se tiver em conta a tradição negativa que faz as duas nações peninsulares viverem, no plano cultural, de costas voltadas uma para a outra. Mas, além disso, Monleón foi e é o director de uma revista, a Primer Acto, que teve um papel importantíssimo na renovação do teatro espanhol, mas também na do teatro português.