Festival de Almada 1990
Teatro na outra margem ou de como se faem omeletes sem ovos Eugénia Vasques, Expresso, 14 de Julho de 1990
A VII edição do Festival de Almada apresentou 29 sessões, que decorreram no antigo TMA, na Incrível Almadense, no Palácio da Cerca e, depois de um ano sem ser utilizado, no Pátio Prior do Crato. Segundo Joaquim Benite: “o Festival terminou a sua fase de implantação e agora deve constituir-se em modelo, passando a ter um projecto específico, sem perder o sentido da festa”. Este projecto reflecte-se na lógica de animação da via pública, com a habitual realização da feira de artesanato, e com outros pequenos espectáculos, promovendo e revitalizando a frequentemente esquecida Almada Velha. Benite esclarece que não se pode estabelecer uma conotação da CTA com nenhuma força partidária: “Pensamos que o teatro é um factor de desenvolvimento cultural geral, e que deve fazer-se independentemente das posturas partidárias. Aqui em Almada, conseguimos uma coisa importante que é sintomática: o subsídio que a Câmara nos atribui é atribuído por unanimidade; merece o voto de todos os partidos sentados na Assembleia Municipal. Acho que todos os actos da vida quotidiana são actos políticos. Mas actos políticos não correspondem obrigatoriamente a actos partidários.”
Espectáculo de Honra
Espectáculos
Devocionario, a partir de Soror Mariana. Encenação de Etelvino Vázquez. Teatro del Norte – Espanha
A dona do bordel. Texto e encenação de Gilberto Fernandes. Vic Militello – Brasil
A palavra de honra dos três mosqueteiros, de Valerie Petrov. Encenação de M. Stoyanov. Studentina Teatr – Bulgária
Diálogo sobre a prudência e o amor, de Ian Luca Caragialle. Encenação de Aurel Luca. Teatr Ludic – Roménia
If life begins tomorrow. Studio Pantominy – Polónia
Le nic a wet, de Alain Mébirouk e Isabelle Lamouline. Encenação de Alain Mébirouk. Théâtre du Banlieu – Bélgica
Redoblando, texto colectivo. Criação colectiva. Teatro Margen – Espanha
Triste animal, de Javier Maqua. Criação colectiva. Teatro Margen – Espanha
Hacia las sombras verdes, de Finn Methling. Encenação de Jaroslaw Bielski e Henryk Duda. Compañía de Teatro Nuovo – Espanha
Auto da Índia, de Gil Vicente. Criação colectiva. Marionetas de Lisboa
Felicidade e erva-doce, de Peter Schaffer. Encenação de Joaquim Benite. Companhia de Teatro de Almada
Estórias a cavalo num barbante, de vários autores. Encenação de José Mora Ramos e Carlos Fogaça. Teatro do Tejo
Festival da Otite, de Carlos Paulo. Encenação de João Mota. A Comuna
Concerto sinfónico. Régie Sinfonia
A estalajadeira, de Carlo Goldoni. Encenação de Mário Barradas. Teatro da Malaposta
Os três chapéus altos, de Miguel Mihura. Encenação de Armando Caldas. Intervalo – Grupo de Teatro
Salada, de vários autores. Encenação de Luis Miguel Cintra. Teatro da Cornucópia
Ode marítima, de Fernando Pessoa. Encenação de João Grosso. Produção de João Grosso
Margarida do monte, de Marcelino Mesquita. Encenação de Hélder Costa. A Barraca
Platonov, de Anton Tchecov. Encenação de Rogério de Carvalho. Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra
A Castro, de António Ferreira. Encenação de Blanco Gil. Teatro Ibérico
Amor a quanto obrigas, a partir de Gil Vicente. Encenação de Vítor Gonçalves. Companhia de Teatro de Almada
Grande Sena, a partir de Jorge de Sena. Encenação de António Carvalho. GIC de Almada
Aventuras de João Sem Medo, a partir de José Gomes Ferreira. Encenação de Alberto Quaresma. O Grupo
O mundo dos camaleões, texto colectivo. Criação colectiva. Grupo de Teatro da SFUAP
Uma feira com Gil Vicente. Encenação de Fernando Gentil. Os Feirinhas
Navalha na carne, de Plínio Marcos. Encenação de João Jorge. Os Patolas
Auto do Ti Jaquim. Encenação de Alexandre Castanheira. Grupo de Teatro Amador da Incrível Almadense
Mais de 16 mil espectadores mostraram a sua fidelidade ao teatro, surpreenderam actores e companhias e demonstraram que o Festival de Almada e um caso serio
Trinta e oito espectáculos (23 de teatro profissional, 6 de teatro amador, 9 musicais), dos quais apenas nove tiveram lugar em salas de teatro convencionais, fechadas, transformaram a sétima edição do Festival de Almada numa manifestação teatral ímpar no nosso país.
Mais de 16 mil espectadores marcaram a sua presença ao longo dos 16 dias do festival, animando as ruas que conduziam ao Palácio da Cerca, «coração» do acontecimento.
Para Luis Miguel Cintra e sua companhia, que ali apresentou a «Salada», sobretudo depois de uma carreira da peça em Lisboa com pouco público, «nunca se tinha representado para tanta gente». Também para a Comuna e Carlos Paulo («Festival da Otite») era «inimaginável representar para um publico assim>> (mais de mil espectadores estiveram no seu espectáculo!), já que a sala do «casarão cor-de-rosa» não leva mais do que cento e poucos espectadores …
Então o que dizer do Teatro Ibérico, e da sua «Castro», ou da «Margarida do Monte», da Barraca, que esgotaram o Palácio da Cerca, mas que em Lisboa foram dois espectaculos que falharam na bilheteira (e no resto!)?
Joao Grosso repetiu aqui o sucesso que a «Ode Marítima» arrasta desde a sua estreia. Mas desta o seu espectáculo parece mesmo que se transcendeu e a representação do poema de Álvaro de Campos chegou ao fim sob uma trovoada de aplausos e bravos que o vão obrigar a voltar a Almada no pr6ximo ano para abrir a oitava edição da Festa.
Foi de acordo com esta tradi9ao (o espectáculo mais aplaudido ou importante do Festival e que abre o Festival do ano seguinte) que o Teatro del Norte (Espanha) repetiu aqui o seu «Devocionario» visto em Almada em 89. Etelvino Vasquez abriu, pois, o Festival sob o signo de uma grande modernidade – o seu teatro apoia-se nos pressupostos culturais de uma Ibéria viciosa, inonoclasta e libertaria que vai buscar ao mito da freira de Beja o fio narrativo onde pode pendurar os seus fantasmas.
SETE, 26 de Julho de 1990
Mário Alberto
personalidade homenageada
Faltava, na galeria de homenageados da Festa de Teatro de Almada, um cenógrafo. Nenhum outro reuniria o consenso dos homens de teatro como Mário Alberto. Não só porque se trata de um grande artista: nele homenageamos também o sentido profundo da sua actividade renovadora, a generosidade com que sempre apoiou os novos movimentos, os grupos independentes com os quais, desde o início da aventura, se mostrou solidário. Mário Alberto não é um artista ‘que foi’ da resistência: é ainda hoje um resistente. Recebe, Mestre Mário Alberto, o nosso abraço respeitoso.
Joaquim Benite