YVETTE K. CENTENO
A Arte no Palco da Vida
Escrever é dar voz. Mas podemos dar voz a tantas coisas: memórias, sentimentos, emoções, razões e contra‑razões… não é o que se escreve, é como se escreve.
YKC, O Rio da Memória
Quantas vidas cabem numa vida? Na vida e obra de Yvette Centeno os cambiantes são muitos, pois diversos são os caminhos trilhados por alguém cuja energia transformadora sempre conseguiu alcançar o improvável equilíbrio de articular, com singular mestria, distintas áreas da palavra, o primeiro pilar do seu labor, com as artes pictóricas e a música. Talvez fruto da sua ascendência germano-polaca, ou da sua passagem por diversas paragens – Lisboa, Coimbra, Porto, Tavira, Paris, Buenos Aires, Berlim ou Londres e outros destinos onde investigou e ensinou – são várias as matrizes que contribuíram para a pluralidade de interesses e o domínio de vários idiomas, que por sua vez se ampliaram numa obra que engloba ensaios, ficção, poesia, teatro e tradução, elementos múltiplos de um curriculum extenso que nos devolvem uma visão do mundo, livre e despojada de fronteiras, tendo como denominador o ofício da literatura e o diálogo civilizacional que as artes estabelecem com a cultura e a sociedade.
Em 1956, em Coimbra, foi co‑fundadora do CITAC; em Lisboa, na Faculdade de Letras, Yvette Centeno prosseguiu esta proximidade com o palco elaborando propostas dramatúrgicas no Cénico de Direito, o embrião do Teatro Aberto. Neste ensejo de se desmultiplicar em actos que espelhassem os diversos caminhos percorridos, co-fundou o Centro de Investigação do Imaginário Literário e o Gabinete de Estudos de Simbologia, na Universidade Nova. Criou a área disciplinar de Estudos Teatrais, que materializou num mestrado e conferências, sintetizadas em Teatro e Sociedade;
como Professora Catedrática coordenou as áreas da Literatura Comparada, Literatura Alemã, História das Ideias e um seminário dedicado a Fernando Pessoa.
Cidadã do mundo, recebeu várias distinções, destacando-se a de Chevalier de l’Ordre des Palmes Academiques e a Verdienstkreuz 1. Klass, em 1997. Presidiu à direcção do primeiro FIT, em 1991, foi directora do Serviço ACARTE e consultora para a Educação e Cultura da Fundação Calouste Gulbenkian. Ao percorrer a sua biografia que inclui, para além de inúmeras publicações, três blogues temáticos – Literatura e Arte, Simbologia e Alquimia e Cultura Visual – compreende-se que o caminho foi tecido de poesia, teatro, hermetismo, alquimia, ensaio e tradução, na companhia de autores como Goethe, Pessoa, Prévert – com quem diz ter aprendido o humor dos sketches que inspirou o Teatro Aberto –, Brecht e Shakespeare, que traduziu para a Companhia de Teatro de Almada, René Char, Celan e tantos outros, também nas artes pictóricas e na música – do jazz à matriz clássica, com Wagner e Mozart, ou ao movimento da nueva canción, com Mercedes Sosa. Todos estes afluentes criam num padrão que perpassa os textos, na voz de um humanismo alicerçado numa profunda erudição, no exercício da razão livre e numa curiosidade permanente em analisar o tempo vivido e por viver.
Quantas vidas cabem numa vida? A resposta, no caso de Yvette K. Centeno, alberga inúmeros palcos e vidas a uma só voz!