A Barraca nos 50 anos do 25 de Abril

NNeste ano em que se celebram os 50 anos do nosso ‘dia dos prodígios’, a Barraca é homenageada pelo Festival de Almada. Bela, justa, solidária e calorosa escolha! Nascida oficialmente a 4 de Março de 1976, na sala da Academia Almadense, esta companhia não é só “filha legítima do 25 de Abril” (Céu Guerra dixit) como representante dileta e apaixonada do ‘espírito de Abril’ e sua militante defensora. Comecemos pelo nome: “A Barraca é uma coisa que se monta e se desmonta, que roda e marcha pelos caminhos do mundo” (García Lorca). Para além desta sugestão de simplicidade e mobilidade, de transparência, transformação permanente e abertura ao mundo, está também a inspiração de Lorca, a sua militância, o seu lirismo e a vontade de o recordar como que para compensar as perseguições e injustiças de que foi vítima. A Barraca, como a nossa democracia, foi-se construindo ao longo deste quase meio século de vida. Como ela, foi avançando, foi sendo objeto de louvores, aplausos e ataques. Como a democracia, só tem, para se defender, a sua resistência e a sua obra. Como a democracia, é frágil e resistente. Como a democracia, procura conjugar liberdade, igualdade e fraternidade. A Céu conta que na raiz do seu sonho de fundar uma companhia de teatro independente estava a vontade de ser parte de um grupo sem grandes hierarquias nem demasiadas especializações, em que todos participassem na construção dos espetáculos e acrescentassem algo de seu ao todo de todos. A Barraca é hoje uma cooperativa de profissionais do teatro.

Um segundo objetivo tornou-se lema d’A Barraca: “Ser culto sem ser elitista, ser popular sem ser populista” (Helder Costa). Para isso, como a democracia, A Barraca tem estado aberta ao mundo, aos outros, às diferentes correntes, dentro duma militância comum e permanente. Alimentou-se do Teatro Universitário, cresceu com o Teatro Independente, apaixonou-se pelo Teatro do Oprimido, que estudou com Augusto Boal, fundiu-se com Helder Costa e dele recebeu o gosto por desmontar a História de Portugal, desmascarando crimes da ditadura. Mas, claro, “a coisa mais aborrecida do mundo é passar a vida a fazer a mesma coisa, a fotocopiar o que já se fez”, e por isso A Barraca recebeu as influências estimulantes de “algumas formas do teatro latino-americano, Brecht, a conceção do espaço vazio de Peter Brook, o radicalismo de Dario Fo, a elaboração minuciosa e sem preconceitos de Els Joglars…”. A linha do teatro vicentino foi aprofundada juntamente com outros autores de comédia, de Molière a Ionesco ou Woody Allen… A Gil Vicente e outros grandes nomes do teatro nacional, A Barraca acrescentou Fernando Pessoa e os seus heterónimos, tendo também recentemente levado à cena O ano da morte de Ricardo Reis, de José Saramago.

A Barraca defende a cultura, mas não só o seu usufruto. Também a sua criação, recriação e valorização. Defende a educação e o papel do teatro numa educação que não seja só de conhecer e encher, mas também de sentir, pensar e fazer. Por isso faz itinerância pelo país e pelas escolas de Portugal. Por isso procura modos de envolver a sociedade civil, sendo o mais conhecido e animado os Encontros Imaginários. Esta companhia já foi apresentada, reconhecida e premiada internacionalmente, criando espetáculos de grande participação coletiva, concursos de dramaturgia, e festivais de teatro escolar, numa ação de educação permanente e de cidadania cultural. Como a democracia, A Barraca defende os Direitos Humanos, o seu respeito, a sua defesa, a sua responsabilidade. Defende e exerce o compromisso social para com a sociedade e o mundo. Como a democracia, A Barraca tem de ser defendida dos que a ameaçam.

Maria Emília Brederode Santos
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