João Mota 65 anos de Teatro
OJoão Mota que todos conhecemos é um monumento nacional! Rebelde, humilde, inflamado ou violento, o Joãozinho da Dona Amélia Rey-Colaço (e meu) marca, como ninguém, o teatro português seu contemporâneo. E porquê?, perguntarão os desconhecidos. Por várias ordens de razões: pela sua personalidade compassiva e comunitária — ele, um lobo solitário! —, pela sua capacidade de entrega e dedicação — a pessoas e a causas — e pelo seu amor desmedido pelo Teatro da Palavra e do Jogo, que ele sempre acreditou que pode mudar a Vida, ainda que “não faça revoluções”.
João Manuel da Mota Rodrigues nasceu em Tomar, a 22 de Outubro de 1942. Iniciou a sua vida de artista ainda criança, ao lado de sua irmã, a actriz e docente Teresa Mota (1940-2022), na Emissora Nacional, num celebrado programa para a infância (Meia Hora de Recreio) de Maria Madalena Patacho (1903-1993). Menino introvertido, ouvia e registava na memória as histórias que contavam as matriarcas da família — a mãe, a tia ou a avó — e escreveu, desde muito cedo, poemas e pecinhas de teatro sobre injustiças, prática que desenvolveu quer nas suas acções de militante da Juventude Operária Católica — onde trabalhou sob a orientação do fundador do Grupo de Teatro de Carnide, António Bento Martins (1932-1993) —, quer na animação dos seus colegas soldados, em plena guerra colonial em Angola.
Quando, após regressar de França e da então Pérsia, de um transformador estágio internacional com o encenador inglês Peter Brook (1925-2022), e após a participação no lançamento do novel Teatro Laboratório Os Bonecreiros (1970), funda A Comuna – Teatro de Pesquisa, a 1 de Maio de 1972, com Manuela de Freitas, Carlos Paulo e outros, trazia na sua bagagem de actor e encenador-aprendiz a experiência teatral adquirida em fontes tão antagónicas como Amélia Rey-Colaço, Ribeirinho, Laura Alves, Adolfo Gutkin ou o japonês Oïda Yoshi, colaborador de Brook e promotor do conceito brookiano de ‘Actor Invisível’, cujas marcas encontramos, ainda hoje, nalgumas encenações de João Mota.
‘Descoberto’ como ‘pedagogo’ por Madalena Perdigão — cujo centenário se celebra este ano —, João Mota defende, para a formação de actores e de artistas, uma formação integral da pessoa, do cidadão, num entendimento da pedagogia teatral como uma procura de um modo de “ser simples, de estar atento e gostar dos outros, depois de gostar de si” e de um modo de, mudando-se a si mesmo e ajudando os outros a aceitar a mudança e a diferença, intervir conscientemente na sociedade.
Perdi um irmão em cena; ganhei este irmão no teatro.
(Lisboa, 10 de Maio de 2023)
Eugénia Vasques
Professora e investigadora